Arquivo: Edição de 12-04-2013
SECÇÃO: Generalidades |
||
Limitação dos Mandatos Saiu no Diário da República de 29 de Agosto desse ano com o nome de “Lei nº 46/2005” e nela se estabeleceram limites à renovação dos mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. Por outras palavras, e simplificando, mandava a Lei que os presidentes das câmaras municipais e das juntas de freguesia não pudessem candidatar-se a mais de três mandatos sucessivos. Acontece que é nas próximas eleições autárquicas que essa Lei vai ser cumprida pela primeira vez, colocando na prateleira muitos e conhecidos autarcas a quem a comunicação social dá o carinhoso nome de “dinossauros políticos”. Constata-se que nem todos esses “dinossauros” aceitaram de bom grado ser relegados para uma prateleira; e, como a necessidade aguça o engenho, puseram em prática um estratagema habilidoso: candidatar-se sim, mas, desta vez, à presidência de uma câmara vizinha! A peregrina ideia pegou como o lume ao pé da estopa e assistiu-se a uma cena nunca vista: autarcas proeminentes de vários quadrantes políticos saltando a cerca da sua autarquia para candidatar-se à presidência da autarquia vizinha. A ideia teve tal sucesso que não me surpreenderia muito se, com o andar dos tempos, - se tal conviesse às cúpulas dos partidos -, chegássemos a ver “dinossauros políticos” emigrando do Alto Minho para autarquias do Algarve! A política tem o condão de sempre nos surpreender. Mas será isso possível à luz da legislação vigente? Confesso que não sei. A Lei nada diz concretamente a tal respeito. Bem quis saber o que estaria na mente dos legisladores mas desisti porque a Lei não vem precedida de qualquer introdução que nos elucide sobre a “ratio legis”. No entanto, os grandes luminares do pensamento jurídico já emitiram pareceres, já existe jurisprudência sobre a matéria, conhecem-se interpretações da Comissão Nacional das Eleições. De todos esses trabalhos pode extrair-se uma conclusão: a de que não há unanimidade de pontos de vista. Pois bem, se os juristas não se entendem quanto ao alcance da Lei, seria estúpido da minha parte botar parecer sobre a questão. No entanto, parece haver consenso de que a Lei tinha por objectivo pôr cobro ao “caciquismo” que, ao que consta, grassa por este país fora. Se é esse o seu propósito, gostaria de manifestar aqui a minha estranheza. “Caciques há muitos” (como os chapéus do Vasco Santana), e muitos deles não são e nunca foram presidentes de câmaras e de juntas de freguesia: há “caciques” actuando discretamente nas secretarias dos vereadores, nos sumptuosos gabinetes ministeriais, nos assentos da Assembleia da República, etc. Por outro lado, a Lei, ao impedir as candidaturas ao fim do terceiro mandato, parece inculcar a ideia de que só então o presidente de uma câmara adquire a qualidade de “presumível cacique”: presunção tão forte que legitima uma medida legislativa que tem por único objectivo impedir os tais “presumíveis caciques” de continuarem a “cacicar” (desculpem o neologismo). Mas voltemos à Lei nº 46/2005, de 29 de Agosto. O facto de haver tantas divergências sobre o seu alcance deveria ser motivo mais que suficiente para que a Assembleia da República chamasse a si o encargo de a rectificar, dando-lhe uma redacção unívoca. Sempre assim se fez, basta ver quantas são as leis e decretos-leis que até hoje viram alterada a sua redacção original. Mas não o entendeu assim a Assembleia da República, que deixou essa tarefa aos tribunais. Simplesmente, tudo leva a crer que a Lei venha a ser interpretada de diferentes modos pelos vários juízes que sobre ela vierem a pronunciar-se. Quem ganha com isso? Ninguém, certamente. E é assim, por esta e por outras, que a Assembleia da República se desacredita aos olhos dos cidadãos, levando-os a interrogar-se sobre a utilidade da existência de tantos deputados (a maioria dos quais licenciados em Direito) que nos custam os olhos da cara. Como dizia Shakespeare no “Hamlet”: “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. 8 de Abril de 2013 Fernando José Teixeira |